A cidade assustada
Recife é uma cidade assustada;
não raro nos deparamos com uma manchete
de jornal"comunicando" aos recifenses que a face conhecida da cidade será
modificada por intervenções, a despeito da opinião dos que a tem como colo materno.
Não foram poucos os
poetas que exaltaram a beleza dos
Arrecifes dos Navios ( sec. XVI) e sua intimidade sensual com as águas que beijam o corpo das ilhas que a compõem. Lembraríamos
Carlos Pena.no seu Guia prático da
cidade do Recife.O poeta afirma que a cidade seria “Metade roubada ao mar / metade à
imaginação”; lembrava ainda que é também roubada ao rio cantado pelo poetas João Cabral , Manuel
Bandeira e Joaquim Cardoso.
Nos dias de hoje a cidade é assustada,
porque a cada dia a ameaçam de assalto e destruição. Há pouco vivemos uma crise
de identidade com relação à demolição dos armazéns do cais José Estelita, para
construir espigões que não têm o direito de posse daquela parte do Recife
marcada por sua historia. Nossos jovens se opuseram a esta desfiguração e
defenderam o cais, como fizeram seus antepassados frente às naus estrangeiras
que apontavam no horizonte a nos invadir. Pois bem, mal suportamos esta ameaça
e nos chega mais uma. Desta vez, o alvo
é a Vila naval situada em Santo Amaro. São 125 mil metros quadrados que serão
alienados do nosso passado histórico e cedidos novamente á barbárie do capital.
São cento e cinqüenta e cinco casas de arquitetura típica da década de 1930 que constituíam a vila das costureiras da
antiga Fábrica Tacaruna (este prédio está ainda de pé, mas invadido pelos
vândalos sob a s vistas do poder publico). Note-se que, ironicamente, a Vila
naval é Zona especial de preservação do patrimônio
Histórico e cultural ( Zeph 19).
Apaga-se a paisagem bucólica das pequeninas
casa de frente ao mar, um oásis para os olhos e testemunhas para nós e as
futuras gerações, da beleza natural da
cidade cantada por seus poetas. Lembro agora a emblemática canção de Capiba: Recife, cidade
lendária /de pretas de engenho cheirando a bangüê /Recife de velhos sobrados,
compridos, escuros /faz gosto se ver / Recife teus lindos jardins/recebem a
brisa que vem do alto mar /Recife teu céu tão bonito /tem noites de lua pra
gente cantar....
Nos dois projetos,
Estelita e Vila Naval, nem as antigas construções, nem a brisa que sopra vadia
entre as pequeninas casas da Vila, nem o céu tão bonito, nem a lua de Capiba, terão direito a sobreviver pois estarão derrubadas as casas, confinada a brisa
e a lua amordaçada pelos espigões que chegam a setenta e cinco metros de
altura ou vinte e cinco andares. Respeitem nossa memória e deixem o Recife em
paz!
artigo publicado no Jornal do Comercio 24..11.2014
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