terça-feira, 25 de novembro de 2014

Um intervalo compulsório

Por motivos pessoais e alheios á minha vontade , fiz um intervalo , longo, diga-se de passagem , entre as  minhas publicações neste blog. Volto  , pedindo desculpas aos leitores, e assegurando - lhes a regularidade dos textos de agora em diante. Um abraço a cada um em particular. Vejam o texto de hoje!

A cidade assustada

A cidade assustada
                                                   

Recife é uma cidade assustada; não raro  nos deparamos com uma manchete de jornal"comunicando" aos recifenses que a face conhecida da cidade será modificada por intervenções, a despeito da opinião  dos que a tem como colo materno.
Não foram poucos os poetas que exaltaram a  beleza dos Arrecifes dos Navios ( sec. XVI) e sua intimidade sensual com as águas  que beijam o corpo das ilhas que a compõem. Lembraríamos Carlos Pena.no seu Guia prático da cidade do Recife.O poeta afirma que a cidade seria “Metade roubada ao mar / metade à imaginação”; lembrava ainda que  é  também roubada ao rio  cantado pelo poetas João Cabral , Manuel Bandeira  e Joaquim Cardoso.
Nos dias de hoje a cidade é assustada, porque a cada dia a ameaçam de assalto e destruição. Há pouco vivemos uma crise de identidade com relação à demolição dos armazéns do cais José Estelita, para construir espigões que não têm o direito de posse daquela parte do Recife marcada por sua historia. Nossos jovens se opuseram a esta desfiguração e defenderam o cais, como fizeram seus antepassados frente às naus estrangeiras que apontavam no horizonte a nos invadir. Pois bem, mal suportamos esta ameaça e nos chega mais uma.  Desta vez, o alvo é a Vila naval situada em Santo Amaro. São 125 mil metros quadrados que serão alienados do nosso passado histórico e cedidos novamente á barbárie do capital. São cento e cinqüenta e cinco casas de arquitetura típica da década de 1930  que constituíam a vila das costureiras da antiga Fábrica Tacaruna (este prédio está ainda de pé, mas invadido pelos vândalos sob a s vistas do poder publico). Note-se que, ironicamente, a Vila naval  é Zona especial de preservação do patrimônio Histórico e cultural ( Zeph 19).
Apaga-se a paisagem bucólica das pequeninas casa de frente ao mar, um oásis para os olhos e testemunhas para nós e as futuras gerações, da beleza natural  da cidade cantada  por seus poetas.  Lembro agora  a emblemática canção de Capiba: Recife, cidade lendária /de pretas de engenho cheirando a bangüê /Recife de velhos sobrados, compridos, escuros /faz gosto se ver / Recife teus lindos jardins/recebem a brisa que vem do alto mar /Recife teu céu tão bonito /tem noites de lua pra gente cantar....
Nos dois projetos, Estelita e Vila Naval, nem as antigas  construções, nem a brisa que sopra vadia entre as pequeninas casas da Vila, nem o céu tão bonito, nem a lua de Capiba, terão direito a sobreviver pois estarão derrubadas as casas, confinada a brisa e a lua amordaçada pelos espigões que chegam a setenta e cinco metros de altura ou vinte e cinco andares. Respeitem nossa memória e deixem o Recife em paz!


artigo publicado no Jornal do Comercio 24..11.2014